O papel do juiz: reproduzir súmulas ou valorizar o humano e a realidade circundante?

quinta-feira, 16 de Outubro de 2014 - 8:02
Redator (a)
Wanda Cunha


À luz dessa reflexão sobre a meritocracia hoje existente no Poder Judiciário,  o juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté-SP (TRT da 15ª Região), Guilherme Guimarães Feliciano, iniciou sua palestra, na manhã de quarta-feira (15), na 2ª Semana de Formação dos Magistrados, que ocorre de 13 a 17 deste mês, no Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão (TRT-MA), no Auditório Maria da Graça Jorge Martins, da Escola Judicial (EJud). O palestrante falou sobre as  Garantias e Prerrogativas da Magistratura. Acesso à Justiça (O Modelo do CNJ). Independência Judicial e Gestão.

O juiz Guilherme Feliciano fez a introdução de sua palestra falando sobre a maneira como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem buscado pensar o Poder Judiciário. “Hoje, nós temos praticamente uma construção dogmática mesmo, em torno do que deve ser o Poder Judiciário. Qual o modelo que deve ser aplicado ao Poder Judiciário? É um modelo que envolve metas, produtividade; é um modelo que envolve uma meritocracia, cuja medição sempre causa problemas, uma medição que se tentou objetivar na Resolução 106/2010, do CNJ”, afirmou.

No que tange à questão da produtividade na meritocracia, o palestrante disse que não considera que a morosidade injustificada deva ser premiada ou deva ser ignorada. “Mas a  morosidade injustificada pressupõe que eu deva reconhecer o problema da morosidade e identificar que naquela situação concreta não há uma justificativa plausível. Afinal o cidadão tem direito à duração razoável do processo, é um direito fundamental seu. Outra coisa é imaginar que tantos mais pontos terá o juiz quanto mais produtivo ele for. Tenho sérias dúvidas de que este seja o modelo que sirva para o tipo de serviço público que o Judiciário deve oferecer”, ponderou o palestrante.

Para Guilherme Feliciano, a  Resolução nº 106/2010, do CNJ, como se encontra hoje, diz, com todos os termos, que  quando a Constituição fala em produtividade e desempenho, ela elege dois pilares para o merecimento: um pilar quantitativo, que é o merecimento; e outro pilar qualitativo, que é o desempenho. Para ele, o pilar qualitativo é mensurado a partir de dois critérios: a observância das súmulas de jurisprudência dos tribunais superiores; o outro critério é a observância do Código de Ética da Magistratura, que também foi ditado pelo CNJ. Nessa linha de raciocínio, o palestrante indaga: “O que será que se espera de um juiz? Será que se espera que o juiz reproduza súmulas? Não lhes parece que o que se espera é o que juiz tenha alguma intenção social, percepção de sua realidade em torno e a partir desses elementos julgue também com a sua percepção do justo?”. 

Terminadas essas indagações, o juiz afirmou que não é apenas o referencial do direito objetivo que se espera do juiz. Se assim o fosse, poderia se pensar em programas de software para julgar. O que se espera – segundo o palestrante -  é que haja algo de humano.  “E esse algo de humano envolve a capacidade que o juiz terá e  que só ele terá, porque ser humano é, de discernir situações que à luz do texto, à luz  da fonte formal, deveriam ter o mesmo tratamento, mas diante das situações concretas e do que ele reconhece de sua realidade em torno, não devem ter. Esse sentido de construir a justiça para o caso me parece  mais intuitivo”, concluiu.

O magistrado observou que de todos os tribunais o mais proativo ou mais ativista foi o Supremo Tribunal Federal (STF), que soube quebrar paradigmas, ao olhar para a Constituição e sobre o casamento entre o homem e mulher, dar uma interpretação evolutiva que alcançou as relações homoafetivas.  Disse que a própria reflexão acerca do sistema demonstra que tudo que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e o Código de Ética exigem do juiz que se recicle, que estude, que não apenas se inteire das súmulas de jurisprudências dos tribunais superiores, mas que faça uma reflexão crítica da realidade. “A sociedade espera de um juiz que ele seja capaz de pensar, refletir, de descortinar as penumbras que às vezes há na  própria lei e extrair dali uma resposta que está além das regras, mas que seja a resposta justa para aquele caso. Isso traz muito da capacidade intuitiva, da experiência do juiz”,  completou.
 
Também Guilherme Feliciano observou que os juízes não são eleitos; ingressam por meritocracia, por um suposto conhecimento técnico de uma ciência que é aferida a partir de um concurso. Então, na perspectiva da escolha popular e da ideia constitucional de que todo o poder emana de povo, o Judiciário talvez fosse o poder menos democrático de todos, porque o Executivo e o Legislativo, de fato, são escolhidos pelo voto; e o Judiciário, não. Então, o que legitima a democracia no Poder Judiciário? Para o palestrante, no microcosmo do processo, o juiz estabelece um diálogo entre as partes e, por isso, é importante que o juiz saiba ouvir. Mesmo que o magistrado já tenha sua convicção, ele tem de dar a oportunidade à parte de tentar convencê-lo. Isso está dentro dessa ideia de que o processo  tem de ser um espaço dialógico  em que as soluções são construídas. “É claro que a palavra final será de juiz, mas a participação do réu e do autor com os elementos que trazem, com os argumentos que constroem e as provas que produzem, significam que eles também constroem a decisão e isso a torna democrática. Mas isso no microcosmo do processo. No macrocosmo das instituições, o que dá o tom de democracia do Judiciário é exatamente a capacidade que ele tem de assimilar às suas fileiras pessoas das mais diversas origens e com os mais diversos pensamentos”, argumentou.

Guilherme Feliciano fez todo um alinhavo argumentativo para falar sobre as garantias institucionais: autonomias orgânico-administrativas; autonomia orçamentária; garantias funcionais; garantias de independência; garantias de imparcialidade.  Em seguida falou sobre as garantias do magistrado: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. Na oportunidade, disse que a vitaliciedade é a mãe de todas as garantias. Observou que desde 1824, com a primeira Constituição, já se falava em vitaliciedade, ou melhor, naquela época, os  magistrados eram perpétuos.

No discorrer das prerrogativas, o  palestrante também tratou da PEC 53/2001 (Senado), que teve como  teor  alterar a redação do artigo 93 da Constituição Federal para excluir a pena de aposentadoria do magistrado, por interesse público. Também tratou da PEC 505/2011, cuja ementa é alterar os artigos 93, 95, 103-B, 128 e 130-A da Constituição Federal, para excluir a aposentadoria por interesse público do rol de sanções aplicáveis a magistrados  para permitir a perda de cargo, por magistrados e membros do Ministério Público, na forma e nos casos que especifica. Também tratou da PEC Nº 291/2013 (Câmara), que altera os arts. 93, 103-B, 128 e 130-A da Constituição Federal para regulamentar o regime disciplinar da magistratura e do Ministério Público.

Ao final, o palestrante fez uma abordagem acerca do art. 33 da Lei Orgânica da Magistratura, enumerando as prerrogativas, as quais, segundo ele, são restritas em relação às prerrogativas do Ministério Público. Dentro desse contexto, apurou uma por uma, fazendo, inclusive menção ao Estatuto do Desarmamento – Lei nº 10.826/2003, ao mensurar a prerrogativa do porte de arma de defesa pessoal.

Guilherme Guimarães Feliciano – Juiz do Trabalho Titular da 1a Vara do Trabalho de Taubaté-São Paulo. Professor Doutor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté e do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Livre-Docente em Direito do Trabalho. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Coordenador do Curso de Especialização (Pós-Graduação Lato Sensu) em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho da Universidade de Taubaté (UNITAU). Extensão Universitária em Economia Social e do Trabalho (Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP). Membro do Conselho Editorial da Revista ANAMATRA de Direito e Processo do Trabalho (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho-ANAMATRA/LTr). Membro do Conselho Editorial da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Membro Vitalício da Academia Taubateana de Letras (cadeira nº 18).

23 visualizações