Desembargador diz que Justiça do Trabalho deve ouvir mais a sociedade
O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), Alexandre Teixeira de Freitas Cunha, enfatizou a necessidade de fortalecer o papel de mediação e de diálogo da Justiça do Trabalho com a sociedade. “Precisamos ter muitas audiências públicas para ouvir a sociedade”, disse o magistrado na conferência de abertura do Ano Judiciário 2017, na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (MA), na terça-feira (10/1).
De acordo com o desembargador Alexandre Cunha, que proferiu a conferência (Des)caminhos do direito do trabalho e crise democrática, fortalecer o espaço do debate é uma das formas de avanço para o direito do trabalho e Justiça do Trabalho. Ele elogiou a iniciativa do TRT-MA de promover a abertura do Ano Judiciário com um evento que colabora para análise do direito do trabalho e da Justiça do Trabalho no contexto contemporâneo.
Na conferência de abertura do Ano Judiciário 2017, o desembargador trouxe para o debate questões culturais do direito e propôs uma reflexão histórica tendo como ponto de partida a atual agenda de debates: a dicotomia entre negociado versus legislado e o questionamento sobre a capacidade da Justiça do Trabalho para responder de forma positiva às demandas entre trabalhadores e empregadores.
Argumentou que o debate negociado x legislado cria uma falsa dicotomia porque “ambos são formas de regulação do trabalho humano”. Para o desembargador Alexandre Cunha, há questões mais relevantes que merecem a atenção dos operadores do Judiciário Trabalhista como a crise do trabalho e a tendência de substituição de postos de trabalho humano por sistemas tecnológicos, tal como o fenômeno chamado “uberização”. Outro debate importante é a terceirização e o impacto no direito do trabalho.
A exposição estabeleceu diálogo entre obras da cultura pop e questões do direito tendo por base os romances 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, adotando a metodologia do livro Leve-me ao seu líder: articulações entre Direito e Cultura Pop. O livro, lançado pela Editora LTr, é uma coletânea de textos de autoria do professor Agostinho Marques, do desembargador James Magno e dos juízes do trabalho do TRT da 16ª Região, Érico Renato Serra Cordeiro e Bruno de Carvalho Motejunas, e do procurador do Estado, Bruno Tomé Fonseca.
Ao tomar como referência o romance 1984, o desembargador alertou para os riscos sociais e culturais em decorrência de uma espécie de apagamento da memória, ou seja, a tentativa de reescrever a história, negando, por exemplos, sujeitos e conquistas sociais. “Somos bombardeados pela ideia de crise e levados a esquecer o que já tivemos de positivo, de ganho social”, disse. Segundo o desembargador, para pensar o direito do trabalho é preciso conhecer e considerar a história da Justiça do Trabalho no Brasil, cuja origem se deu no Estado Novo e já nasceu com a ideia de controle social e de cerceamento do movimento sindical. “Não podemos ser massa de manobra para defender a desconstrução do direto do trabalho pelo próprio direito”, disse em alusão ao fenômeno corrente da substituição do direito trabalho pelo Código de Processo Civil (CPC) nas decisões judiciais trabalhistas.
Interlocução – Após a conferência, o professor e jurista Agostinho Ramalho Marques Neto estabeleceu uma interlocução com o palestrante, destacando o direito do trabalho tendo por referência o contrato social segundo Hobbes e o romance 1984.
Sustentou que o direito traz na sua origem o poder coercitivo e que, especificamente, o direito do trabalho foi lei criada no capitalismo para limitar abusos. “Surge com o sentido corretivo para introduzir algo de paridade nas relações trabalhistas”, enfatizou, “e que se entregue à lógica do capitalismo de produção provocará o retorno da escravidão", complementou. Para o jurista, o direito do trabalho tem o sentido de cláusula pétrea tal como o direito constitucional, sendo, portanto, um dispositivo garantidor tanto para o trabalhador quanto para o empregador. Tem o sentido de reequilíbrio.
Para Agostinho Marques, proteger o direito do trabalho como lei do reequilíbrio é especialmente importante ante o avanço do neoliberalismo, que se sustenta na ideia de competição. "Uma coisa é ter competição regulada pela lei, limitada pela lei. Outra é quando a competição é a própria lei”, observou chamando a atenção para a tendência de existência do chamado darwinismo social, onde as diferenças sociais e culturais são justificadas como “seleção natural” creditadas ao fenômeno de “adaptação ao ambiente”.
Agostinho Marques considera que o juiz tem um papel importante no debate, mas ponderou que o magistrado não pode ser parcial, uma vez que não é parte, e que, portanto, não deveria elevar o cargo de juiz a uma “potência tal que não se consegue distinguir se ele é juiz ou acusador", criticou.
Ainda sobre o neoliberalismo, lembrou que não se trata apenas de um modo econômico, mas que também de uma ideologia. "Não basta ganhar, é preciso ganhar os corações e mentes, como propôs Margaret Thatcher, regendo também a vida psíquica". Nesse contexto, de acordo com Agostinho Marques, o controle social, conforme o romance 1984, que reescreve o passado e inspira desejos, tem paralelo com a ideia de vigilância almejada pela sociedade. "Vivemos em uma sociedade em que a vigilância não é apenas imposta, mas desejada".