Justiça do Trabalho alerta para riscos de trabalho infantil em redes sociais
Nota pública assinada em parceria com outras instituições de proteção à infância e à adolescência é publicada no contexto das discussões sobre adultização e promulgação do novo “Eca Digital”.
O Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção a Adolescentes no Trabalho (FNPETI) e o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) elaboraram nota de posicionamento sobre os impactos da exposição de crianças e adolescentes em ambientes digitais e redes sociais.
O documento é publicado no contexto das discussões sobre adultização e promulgação do novo “Eca Digital” (Lei nº 15.211/2025) e chama atenção para a relação entre a chamada adultização, quando crianças e adolescentes assumem papéis ou comportamentos compatíveis com o esperado por adultos, e a configuração de trabalho infantil em plataformas digitais.
Adultização
Segundo o documento, a presença de crianças e adolescentes em ambientes virtuais pode deixar de ser apenas recreativa quando envolve monetização de conteúdo, produção habitual de vídeos, estímulo à profissionalização de canais ou cumprimento de expectativas econômicas. Nesses casos, a atuação digital de crianças e adolescentes não é imune ao controle judicial, pois se enquadra em situações típicas de trabalho infantil, ainda que em cenário virtual.
O posicionamento ganha ainda mais relevância diante dos dados da SaferNet, organização de referência no combate a crimes cibernéticos. Segundo a entidade, 64% das denúncias recebidas em 2025 referem-se a casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, o que representa um aumento de 18,9% em relação ao mesmo período de 2024.
Impactos na formação
As instituições que assinam o documento alertam que o uso indiscriminado das redes sociais submete crianças e adolescentes a um fluxo contínuo de informações, imagens e vídeos muitas vezes inadequados à sua idade. Esse ambiente pode antecipar experiências para as quais ainda não têm maturidade e, sobretudo, colocar crianças e adolescentes sob lógica concorrencial de atividades laborais, prejudicando o tempo dedicado aos estudos, lazer, esporte, convivência familiar e comunitária, e contato com a natureza, elementos essenciais para o desenvolvimento saudável.
Para o coordenador nacional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, ministro Evandro Valadão, entidades públicas e da sociedade civil precisam reafirmar seu compromisso inabalável com a erradicação de todas as formas de trabalho infantil. “Não podemos permitir que a modernidade e a inovação tecnológica se tornem novas ferramentas de exploração. É nosso dever, não só como instituições, mas, como adultos, garantir que a infância seja um tempo de afeto, educação e desenvolvimento, não de trabalho”.
De acordo com Katerina Volcov, secretária-executiva do FNPETI, as atividades realizadas por crianças e adolescentes nos meios digitais pode ser interpretada, em muitos casos, como trabalho infantil, pois há “frequência regular desses vídeos, relações de poder e hierarquia, e monetização do conteúdo”. A secretária-executiva reforça, ainda, a necessidade de um debate sério sobre a responsabilização das plataformas digitais.
Para Gabriela Neves Delgado, professora titular de Direito do Trabalho da UnB e coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, o trabalho infantil é um problema histórico e persistente. Ela observa que, embora as formas de exploração tenham mudado, incluindo ambientes digitais e redes sociais, a vulnerabilidade de crianças e adolescentes permanece.
Mobilização contra a exploração
Diante desse cenário, as entidades reforçam a necessidade de mobilização pública, institucional e política em torno da exploração econômica de crianças e adolescentes em ambientes digitais. A nota destaca que o fenômeno deve ser tratado com a mesma gravidade de outras formas de trabalho infantil, com atenção especial à realidade virtual, que amplia as formas de exposição e exploração.
Para a juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) Viviane Martins, representante da Região Nordeste na Comissão Nacional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, o diálogo social pode favorecer a criação de estratégias de proteção que conciliem as atividades das empresas que operam por plataformas digitais com a função social necessária a ambientes que acolham crianças e adolescentes.
A procuradora do Trabalho Luísa Carvalho Rodrigues, coordenadora nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do MPT, observa que a promulgação da Lei nº 15.211/2025 (ECA Digital) representa um avanço na promoção de ambientes digitais mais seguros, mas ressalta que se trata de apenas um passo dentro de um processo contínuo para assegurar infâncias e adolescências protegidas.