Discurso da Posse do Juiz Togado Alcebíades Tavares Dantas no cargo de Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região - Maranhão

Permitam-me, inicialmente, agradecer a Deus pela sua bondade e escolha e por fazer com que retornasse à Presidência do TRT. Agradeço a Ele por esta honraria que trazem novas e maiores responsabilidades, esperando que Ele guie meus passos na seara do serviço e da dignidade.

Neste momento, peço a Ele que abra os caminhos que precisam ser abertos, feche os que precisam ser fechados, bem como peço a sua ajuda para que eu possa ser somente um instrumento de serviço, para que nós possamos servir ao nosso povo. Ainda lhe peço para dirigir a minha mente, as mentes e os corações dos juízes e servidores deste Tribunal, os meus passos, os nossos passos, os passos deste Tribunal.

Convido os servidores e juízes e todos os que estão presentes a viver as esperanças, plantar para colheitas futuras e aprender com as experiências e dificuldades, deixar nas mãos de Deus os fardos, as preocupações, as incertezas, os obstáculos, estas oportunidades de progresso. Deixemos que Deus nos guie, façamos cair os nossos desejos, façamos a nossa parte, masfaçamo-la bem, com perfeição, nos limites de nossas capacidades porque o setor público é tido como ineficiente, inoperante, considerado digno de ser privatizado ou extinto, mas nós temos o dever de provar o contrário e de não nos acomodarmos e mostrar que aqui há competência prepara, agilidade.

A Justiça, o poder público, ou os políticos que têm a missão de servir ao povo, não podem e não devem carregar o estigma da inoperância da ineficiência, do atraso, e nem ser colocados no mesmo nível das empresas públicas que foram privatizadas, acusadas pela mídia como ineficientes e como se porventura na atividade privada só encontrássemos acertos.

Convido os servidores e juízes a ficarem alerta e a não esquecerem que são sempre novas as tarefas e sempre novos os desafios, a não repousarem sobre as vitórias conquistadas, a não se iludirem com as leis do mercado, a não se enganarem com a busca por riquezas ou lucro, em especial as que são adquiridas sem honra e dignidade.
Convido-lhes também a ficarem atentos porque as lutas de libertação não terminaram e não foram privilégios dos antigos. Elas continuam presentes com novas roupagens e até mesmo com maior intensidade, urgência, desafios. Os antigos não detinham os instrumentos de destruição dos "modernos”, não sabiam produzir ou disseminar guerras de destruição atômica, química, biológica. Não podiam poluir mares, rios e cidades com dejetos radiativos, químicos, ou destruir a natureza com tanta rapidez, assim como não podiam destruir a terra.

No entanto, os modernos, os que se dizem civilizados, podem fazer esta destruição e, por essa razão, há urgência na destruição dos meios de destruição, há urgência no estabelecimento da paz, há urgência em fazer cessar as políticas dos promotores das guerras, urgência na construção de retas e justas relações econômicas, na preservação dos recursos naturais, na preservação do meio ambiente, na erradicação das desigualdades sociais, regionais, na erradicação das desigualdades entre nações, na preservação dos direitos sociais, conquistas a serem obtidas por uma humanidade que rompeu as barreiras da escravidão e da servidão, mas que sofre a ameaça de ser prisioneira de novas formas de escravidão.

Os homens buscaram, adquiriram e acumularam incomensurável poder de destruição, o poder de destruir a vida na terra e a vida das gerações futuras e da maioria das espécies, assim como acumularam desordens, desigualdades e iniqüidades nos planos material e espiritual, porque não souberam usar o poder, não estavam preparadas para estabelecer a verdade, a justiça, retas relações econômicas e sociais, porque descuidaram dos objetivos maiores da vida. Ainda não se prepararam para transformarem as armas de guerra em arados. Não estão preparados para a justiça, justiça que é oriunda da imortalidade e não a da razão fragmentada.

Os homens e as nações sempre querem mais supremacia, mais poder, mais riquezas. Na busca por riquezas não economizam os recursos naturais, não poupam as outras espécies e o próprio homem. Não deixam o amor e a compaixão amenizarem as duras relações internacionais e econômicas, não abrem espaço para a cooperação e só olham a competição, não olham com simpatia os oprimidos e os deserdados e não deixam sequer as migalhas que caem das suas mesas chegarem aos famintos. Por isso, torna-se maior e mais urgente a luta que deve ser travada.

Não é uma luta de classes ou uma luta entre irmãos ou entre nações, mas as lutas das transformações do que o homem é para, o que deve ser, as lutas contra o egoísmo, para iluminar as mentes, para estabelecer o reino de Deus, contra as idéias que tornaram as classes inimigas, contra todos os obstáculos que degradam a vida e impedem a manifestação da perfeição, que impedem o homem manifestar a grandeza do que é feito à imagem e semelhança de Deus.

O que tem aparência de normalidade, os estados e condições que nos aprisionam, não é normal, seja a doença, seja a exploração, seja econômica, seja à falta de abundância. Não há nos dias atuais a honra dos antigos, a honra dos duelos, a honra nos combates pessoais. Há hoje a torpeza, e a indignidade da violência desnecessária, e condições (ilegível) os que nos desonram, dos assassinatos à distância, estes autorizados por sistemas jurídicos internacionais, por impérios econômicos, por políticas perversas, depravadas, as quais admitem e permitem o uso dos instrumentos de morte à distância, da destruição coletiva, as guerras de destruição das estruturas econômicas das nações, sem poupar crianças, velhos, ou os nãos combatentes.

Não podemos aceitar estas condições, assim como não podemos aceitar que habitem nas mentes, como naturais, as idéias do emprego da energia atômica para a guerra, ou que habitem como normais, nas mentes, as idéias do uso de drogas pesadas, fumo, álcool, as idéias dos negócios escusos, ou que habitem nas nossas mentes as idéias da destruição bacteriológica e química, assim como habitam entre nós homens que ameaçam promover ou promoveram matanças superiores às que foram realizadas nos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, homens que pensam serem honrados, mas que não fecharam as portas da morte, antes, ao contrário, dela se tornaram servos, homens promotores da destruição e incentivadores da divisão e dos ódios entre nações.

O homem elevou o nível de violência e de crueldade entre semelhantes a extremos perigosos, e o estendeu aos animais indefesos, sacrificados aos milhares para atender às políticas do lucro, revelando uma face de crueldade.
Senhores, não há honra nestas políticas, não há dignidade, valor e verdade em muitas práticas, em muitas idéias. Não há futuro nesse jogo perverso e cruel, que penetra o direito internacional, as relações entre as nações, e vai entrando em todos os outros campos, nas relações sociais, inclusive no mundo jurídico.

As nossas visões ficaram turvas, as nossas atitudes são de complacência e subserviência. Criamos nossas próprias doutrinas e ajustamos às de Deus, às nossas conveniências. Legislamos em profusão e não cumprimos sequer as dez primeiras regras, as quais, se obedecidas, esvaziariam as prisões, transformariam as relações humanas.

Nós queremos liberdade, mas somos escravos da manipulação da mídia, do capitalismo financeiro totalitário, das leis selvagens do mercado, da desordem econômica que cria desemprego, salários alvitantes, favelas e anéis de pobreza ao redor das cidades.

Permitam-me citar um poema de Sri Aurobindo que tem como título "O CHAMADO". Diz ele: “O mundo inteiro anseia por liberdade, no entanto cada criatura está enamorada de suas cadeiras”. Este é o primeiro paradoxo e o nó inextricável de nossa natureza. O homem está enamorado dos laços de nascimento; por isso ele é apanhado pelos laços companheiros da morte: Nestas cadeias, ele aspira pela liberdade de seu ser e maestria de seu autocumprimento.

O homem está enamorado do poder; por isso ele é submisso à fraqueza. Porque o mundo é um mar de ondas de força que se encontram, e continuamente se lançam uma sobre as outras, aquele que quiser montar na crista de uma só onda tem que desabar sob o choque de centenas.  
O homem está enamorado do prazer; por isso ele tem que se subordinar ao jugo do sofrimento e da dor, pois a alegria não-mista é somente para a alma livre e desapaixonada; no entanto, aquilo que persegue o prazer no homem é uma energia sofredora e desgastante.

O homem está faminto de calma, mas também sedento de experiências de uma mente inquieta e um coração perturbado. Fruição é para sua mente uma febre, calma uma inércia e uma monotonia.
o homem está enamorado físico, no entanto, ele liberdade de sua mente imortal".

E, nestes contrastes, algo nele encontra uma curiosa atração; eles constituem para seu ser mental os toques artísticos da vida. Não é somente o néctar, mas também o veneno que atrai seu gosto e sua curiosidade.
Sim,senhores nestes contrastes,nestasdificuldades,enamorados e escravos das nossas criações, envolto na babel dos nossos atos, é que temos que trabalhar.

Os antigos não tinham os meios e instrumentos para disseminar os nossos extremos: o nazismo, o fascismo, o totalitarismo do estado comunista, guerras mundiais, campos de concentração, as guerras ideológicas que provocaram e ainda provocam a divisão dos homens, das nações, dos impérios, oriundas das idéias e da desordem econômica que não queremos corrigir.

Os nossos erros não têm sido pequenos ou inofensivos, e isso nos obriga a ter uma profunda humildade, cuidado e respeito. E por não serem inofensivos convido-os a refletir sobre as nossas contradições. Mas, neste momento, devem os senhores estar indagando o que tem um Tribunal do Trabalho e uma sessão de posse, sessão que poderia ser simples, com questões que não estão aparentemente ao nosso alcance? Qual a ligação destas questões com um Tribunal do Trabalho?

A resposta que lhes dou é a seguinte: ' temos tudo a ver porque há uma unidade em todas as coisas, em todas as questões.

Não destroem as guerras as estruturas industriais e econômicas das nações? Porventura as guerras econômicas são neutras quanto aos empregos e às empresas? É porventura neutro o atraso tecnológico? É neutro o domínio dos mercados? É neutra a desregulamentação do direito do trabalho, ou neutra a busca doentia por lucro? É neutro, porventura, o desemprego provocado pelo fechamento de fábricas?

Temos tudo a ver porque nos encontramos, diante não só da chamada globalização, mas também diante do impacto de novas tecnologias que acarreta domínio de mercados, e do impacto do comércio internacional nas situações econômicas e sociais dos países, assim como temos o impacto da destruição da natureza sobre a vida, sobre a atividade econômica e sobre as gerações futuras, bem como a da influência dos erros na educação, (legível) condições econômicas não sobre a segurança, mas também sobre as famílias, empresas, empregos, sobre as leis trabalhistas, leis (ilegível) as condições de vida, sobre o judiciário.

Milhares de animais são mortos pelo tratamento que é dado pelos homens, outros são eliminados muito mais por questões econômicas do que por certezas sanitárias, como nas epidemias de febre aftosa, e
por aí vão os empregos, os lucros, e vêm os reflexos na cadeia econômica.

Novas tecnologias provocam desemprego e criam a miragem de que tudo parece depender da técnica como uma necessidade universal,     uma presença indiscutível, mas uma ocasional diminuição das chuvas é suficiente para mostrar a nossa fragilidade no campo da energia, para mostrar os erros na condução das políticas de investimentos.

Do ponto de vista da produção, do emprego e da geração de renda, a agricultura nos países desenvolvidos é um setor de menor importância econômica, enquanto no país em desenvolvimento o peso econômico da agricultura continua relevante, mas com a globalização, as exigências de mercados e dos grupos organizados nos países desenvolvidos como ecologistas, trabalhadores, consumidores exigem novas qual idades de vida, obrigando a que empresas internacionais incorporem esses parâmetros na guerra da concorrência internacional, enquanto nos países em desenvolvimento se acentua o caráter excludente da competição, a eliminação do elo mais fraco da cadeia produtiva, a eliminação dos pequenos que não conseguem incorporar si temas de controle de qualidade, ou não têm como suportar a concorrência.

A globalização acelerou a exclusão social, mantém políticas de subsídios nos países ricos, enquanto os outros países não têm condições de compensar perdas ou romper o círculo vicioso da concorrência, do atraso, da pobreza e da destruição dos recursos naturais. Levou, também, os Estados dos países em desenvolvimento a perderem a capacidade de regulação econômica, a não terem meios adequados para enfrentar o capitalismo financeiro internacional, às dívidas, os desajustes nas balanças comerciais, ao desequilíbrio entre nações.  
No que se refere ao meio ambiente, organismos internacionais já publicaram estudos revelando que "a capacidade dos ecossistemas dos quais dependemos está declinando". Em 1 700, a área plantada era de 265 milhões de hectares, hoje, é de 1,5 bilhão. As pastagens cresceram ainda mais rápido e chegaram a 3,4 bilhões de hectares em 1995.

A degradação dos solos está causando declínio na produção em 16% de terras cultiváveis. A salinização provocada pela irrigação danificou 45 milhões de hectares. Devido a fatores como desmatamento e sedimentação muitos dos rios estão desaparecendo. Outros morreram em face da poluição. Há abusos de pesticidas e fertilizantes, envenenamento do solo e das águas por substâncias químicas e dejetos, ou mesmo decorrentes do produtivismo intensivo como a doença da vaca louca.

A retirada de nutrientes do solo ou permitir que eles se recomponham, é conta bancária sem efetuar depósitos. Cedo ou tarde vamos ficar sem dinheiro.

Em pouquíssimas regiões do Brasil o desenvolvimento agrícola caminhou junto com a preservação dos ecossistemas ou com o desenvolvimento rural, tendo os técnicos objetivados a criação de mercados, o desenvolvimento de tecnologias, integração agroindustrial, créditos, reduzindo o rural apenas a uma dimensão produtiva. Perdeu-se a proposta da unidade da vida, abandonou-se o homem do campo, não se fez uma agricultura capaz de dialogar com a natureza, não se trabalhou para recuperar a devastação das florestas, para recuperar o potencial natural e econômico das florestas devastadas; ou para abri espaços para os necessitados.
Tudo indica que nos tornamos copiadores de outros povos e que não trabalhamos para a auto-suficiência e independência, não trabalhamos para a recomposição do quadro social e da natureza, que era viva e exuberante na chegada dos primeiros colonizadores.

Sathya Sai Baba ensinando sobre o Dharma, expressão que significa AÇÃO CORRETA, RETIDÃO, VERDADE, o próprio Deus, menciona como o homem se afastou da verdade e cita um exemplo que é apropriado para o momento: "Assim como há campos lindíssimos e belos prados que, pelo abandono e negligência, logo se transformam em florestas de espinhos e arbustos, há árvores raras que são cortadas pela cobiça humana, transformando toda a paisagem. Com o passar do tempo as pessoas se acostumam ao novo estado das coisas e não percebem a transformação e a decadência".

O mesmo ocorre nos dias de hoje. Estamos acostumados com as mudanças na paisagem. Achamos as mudanças e a decadência naturais. Mas é bom observar que o deserto do Saara de hoje não era a paisagem antiga, era a paisagem de florestas.

Devemos olhar as mudanças e aceitar as heranças que as gerações antigas deixaram, sendo a maior delas a de uma pátria generosa, da qual devemos nos orgulhar, mas não podemos nos conformar e aquietar diante de tantos desafios. Devemos perguntar qual o legado que estamos deixando para a geração dos nossos filhos, dos nossos netos e de outros que virão? Porque eles estão nascendo, crescendo e vi vendo num ambiente transformado, sem saberem que a paisagem foi mudada, e que ela nem sempre foi assim.

As "transformações da paisagem" refletem-se na economia, nos empregos, no judiciário, e, por esse motivo, ingressaram no mundo jurídico novos institutos, como a tutela dos interesses difusos e coletivos, as ações judiciais relacionadas com meio ambiente, com o apagão, com a violência urbana, ações sobre a posse do solo em áreas rurais e urbanas, assim como aumentaram as intervenções policiais, as pressões políticas, sociais e econômicas geradas pelos anéis de pobreza e de favelas que cercam as grandes cidades, e a má distribuição da terra. 

Senhores, estas são algumas das razões pelas quais, neste momento, não faço um discurso rotineiro. E não o faço porque há urgência nas nossas lutas, lutas que são mais difíceis do que as dos antigos, porque a industrialização consome recursos naturais de forma vertiginosa e irreversível, o acúmulo de riquezas provoca desajustes entre nações, regiões, famílias, enquanto a tecnologia ameaça criar barreiras intransponíveis entre nações.

São lutas que não buscamos e que nos são impostas, porque são da nossa época, da nossa geração, lutas que devemos travar com armas diferentes e por essa razão não devemos ter a ilusão de que elas não nos dizem respeito.

Lembrem-se das lutas e das dificuldades para criar e manter este TRT. Porventura o povo deste Estado não teria ou não tem direi to a um judiciário do Trabalho, necessário à consecução da paz nas relações do trabalho? Deveria o Estado do Maranhão desistir do aperfeiçoamento de suas instituições por causa dos desequilíbrios regionais?

Lembrem-se das lutas recentes para manter a Justiça do Trabalho, mas também lembrem-se das políticas que objetivam destruir os direitos sociais,ou adaptá-los às doutrinas da desregulamentação e da flexibilização do direito do trabalho, da extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho, da criação do contrato coletivo nacional, das lutas para conseguir um salário mínimo de melhor dignidade, tudo por causa de um modelo de globalização que opera nas relações sociais sem valores e sem princípios, cuja a ideologia é não ter ideologia, cujo objetivo é o acúmulo de poder, riqueza e subjugação, destruindo os direitos sociais, fazendo uma guerra de neocolonização, conquistando mercados, conquistando consciências, sem disparar um tiro e sem derramar uma só gota de sangue, afetando o próprio papel do Estado, que se encontra muitas vezes impossibilitado de atender as demandas por investimento, as demandas quanto a seguridade social, as demandas da dívida interna e externa, as demandas por melhores recursos para o próprio Poder Judiciário.

Não estamos apenas diante da exigência de novas alterações no direito, ou da necessidade da criação de novos institutos jurídicos por causa das novas realidades, ou da necessidade de absorção das novas tendências no direi to. Não, estamos envolvidos num processo mui to mais amplo e que tem levado mui tos juízes a defenderem a ampliação da competência para cobrança de Previdência Social e Imposto de Renda como forma de sobrevivência da Justiça do Trabalho, sem perceberem que a estão desfigurando e sem levar para a nação a discussão do que realmente interessa: devemos permanecer como jurisdição especializada nas questões de emprego ou devemos romper com toda a estrutura dos direitos sociais? Devemos ampliar a nossa competência e nos transformar numa jurisdição especializada em todas as questões do trabalho? Devemos nos transformar escritório, (ilegível), de cobrança de impostos?

Estamos diante de um dilema, provocado por novos valores e novos princípios, os quais levaram a instaurar no país um poder desestatizador, desconstitucionalizador e globalizador, diante do totalitarismo financeiro manipulado por espertalhões desumanos, que se aproveitam das dívidas dos países, das dificuldades das balanças comerciais, das oscilações nos câmbios, para auferirem fortunas com simples operações de compra e venda da moeda universal que foi imposta aos povos. Estamos diante de políticas de juros que aumentam a dívida, anulam a capacidade de investimentos, drenam o esforço do povo e as riquezas nacionais, e levou ao retorno dos primórdios do liberalismo.

Todos estes aspectos além de gerar incertezas, criam dificuldades e desafios, assim como provocam o aumento das ações, e, sobretudo, levaram o Poder Público a ser o principal responsável pelo inchaço e atraso nos processos judiciais. Foi assim nas ações relacionadas com as privatizações, as ações do FGTS, as ações relacionadas com questões tributárias na Justiça Federal, as reclamações trabalhistas relacionadas com planos econômicos na Justiça do Trabalho, as ações de aposentados pedindo o cumprimento da Constituição quanto ao mínimo dos proventos que lhes foi assegurado.

Além do totalitarismo financeiro instaurou-se um outro tipo de totalitarismo, o das idéias, com o neoliberalismo, com a idéia totalitária do mercado como o único agente regulador de todas as agendas sociais, idéias que não admitem as contribuições de Marx, Rousseau, Locke, Saint-Simon, não admitem os direi tos sociais, não admitem o que os liberais chamam de desperdício com os mais pobres; neoliberalismo cuja ética é o lucro a qualquer custo, do Estado mínimo, Estado afastado das questões sociais, como se porventura os pobres, os frágeis, não tivessem direito aos bens da vida, como se a vida fosse privilégio dos consumidores e nunca dos estão fora do mercado; neoliberalismo que, com suas• doutrinas de produtividade e reengenharias do trabalho humano, sempre procura tirar mais do trabalho humano e que usa a produção científica das universidades para o jogo da competição, para o privilégio das patentes.

Parece insignificante o exemplo dificuldades para que este aquisição da tecnologia ligada que vou citar: o TRT caminhasse à informática, sem que pudesse contar com recursos suficientes e sem um quadro de servidores especializados que tivesse sido criado por lei e sem que os próprios magistrados tivessem domínio sobre o assunto. Dificuldades que, ou eram rompidas, ou estaríamos condenados ao atraso, ou, ainda, usando máquinas de escrever ou fazendo anotações manuais em livros e fichas, sistema ainda adotado em algumas comarcas do interior. No antigo Estado do Rio de Janeiro, na Comarca de Angra dos Reis, como advogado, ainda fiz audiência com a técnica da escrita manual, com anotações manuais nos livros de todas as ocorrências da audiência, inclusive depoimentos.

Vou citar mais um exemplo: o do congelamento dos salários dos servidores há mais de sete anos por causa de políticas geradas por dificuldades e decisões macroeconômicas oriundas da globalização, da dívida acumulada dos pagamentos de juros internacionais, de dívida interna, dívidas geradas pela imprudência, pelas dificuldades na balança comercial, ou dificuldades oriundas de medidas protetivas dos países ricos, dívida que leva a União, Estados e Municípios a terem dificuldades em quitar passivos salariais dos servidores passivo que só neste Tribunal, relacionado com um Plano Econômico, é de mais de R$17 milhões e, em toda Justiça do Trabalho, de mais de R$ 2 bilhões, afora débitos menores como auxílio - alimentação e débitos com magistrados.

Por qual razão acumulam- se as ações contra o poder público acumulam-se os precatórios nas prateleiras dos Tribunais, acumulam-se as dívidas e as dificuldades, por qual razão no Supremo Tribunal Federal mais de 3000 pedidos de intervenção aguardam decisão, sendo que destes 2000 são do Estado de São Paulo, o Estado mais rico da Federação?  

Para que se tenha uma idéia do inter-relacionamento dos aspectos, lembro alguns dados históricos sobre os vencimentos pagos aos profissionais integrantes das carreiras judiciárias: em janeiro de 1999 os vencimentos de final de carreira dos servidores de nível superior correspondiam a aproximadamente 45 salários mínimos, estando atualmente este valor reduzido a pouco mais de 17 salários mínimos. Ou seja, o poder aquisitivo decresceu, em termos reais, a um terço no período considerado. Para as categorias de nível médio, a remuneração caiu para a metade.

Há evasão de servidores, em grande medida provocada pela defasagem salarial entre o Poder Judiciário e algumas categorias do Poder Executivo e do Poder Legislativo, outras vezes por causa da busca de melhores condições.

No âmbito do TRT da 16ª Região, temos sido um fornecedor de quadros para outras instituições: 6 juízes do trabalho migraram, 3 deles para a Justiça Federal, 2 para o TRT da Paraíba, 1 para a Procuradoria da República. Dois dos nossos servidores foram integrar o quadro de juízes da Justiça Federal, dois outros foram para o quadro de Procuradores do Trabalho, outro foi para o quadro de juízes da Justiça Estadual, além de outros que fizeram concursos para Polícia Federal, Procuradoria da República, ou outras carreiras judiciárias da Justiça Federal. Estas circunstâncias não nos obrigam a repensar nossa (ilegível)na sociedade.

Há, desculpem a expressão, equívocos nestas políticas que levaram a este estado, assim como defasagem na democracia porque não está havendo justiça social, há, desculpem novamente a expressão, defasagem na democracia porque estamos precisando de ética.

Não merecem estas questões a nossa reflexão? Não são questões que devemos enfrentar? Porventura as
campanhas diárias de descrédito não minam a confiança do povo no judiciário e nos demais poderes? É possível desfazer a propaganda nociva, que plantou nas mentes o veneno da suspeita, da dúvida, do descrédito? É possível parar a nefasta maré de denúncias, a qual, como lama fétida, invade os lares e as famílias dos denunciados e tornou os homens públicos vítimas e condenados antes mesmo de qualquer decisão transitada em julgado?

Não estão porventura estas questões afetando o Poder Judiciário, o direito social, a própria ordem institucional, não estão as mesmas lançando sobre os homens públicos, sobre os representantes eleitos pelo povo, novas dificuldades, novas exigências?

Por isso sou obrigado a afirmar que o nosso destino passa pelo encaminhamento que se dê a estas questões, assim como está imbricado com a ética, com o restabelecimento da paisagem original, com os destinos da economia, do povo, até mesmo com os da elite cujo perfil é de marginalidade política, elite que degrada as instituições da república quando silencia ou permite que saia dos cofres e da bolsas do “status quo” dinheiro para compra de votos, elite que admite que o poder executivo manipule a distribuição do orçamento para tornar alguns parlamentares dóceis, subservientes, ou que admite a entrega de bilhões de reais de socorro a banqueiros supostamente falidos, empréstimos milionários para que empresas sejam privatizadas.

Sim, embora os destinos estejam interligados, precisamos nos afastar das políticas que não estão comprometidas com os destinos da nação e do nosso povo, porque os destinos do povo e da nação não podem estar à venda nos balcões dos negócios partidários, ou nas posturas de magistrados com desvios éticos.  

Por qual razão, então, diriam respeito?

Elas nos dizem respeito porque enfrentamos a CPI do Judiciário, a tentativa de extinção da Justiça do Trabalho, a tentativa de extinção do que chamam de tribunais menores, corno se porventura os tribunais gigantes, dinossáuricos, fossem exemplos de saúde. Elas nos dizem respeito porque enfrentamos as lutas pela extinção do poder normativo, as alterações no direito do trabalho, as lutas pela transformação do direito social, as lutas para alterar a Constituição, objetivando o estabelecimento do processo de recolonização através do que o Professor Paulo Bonavides chama de golpe de Estado Institucional.

São muitas as razões políticas, econômicas, jurídicas e institucionais de importância e gravidade que nos dizem respeito.

Ainda quando aluno do curso do direito da Universidade Federal Fluminense vivi os momentos de quebra da ordem constitucional, da publicação dos atos institucionais, da supressão das garantias individuais, das lutas clandestinas buscando o restabelecimento da democracia. Perplexo, não entendia o descompasso entre o direi to oriundo da força e o das belas doutrinas que lia nos estudos de autores festejados, doutrinas que foram conquistadas com sangue e lutas pelos povos, doutrinas que, de urna hora para outra, eram afastadas por causa do conflito acirrado entre idéias, por causa da intolerância entre os homens.

Hoje, assisto, preocupado, à prevalência de um certo tipo de conduta econômica contra o social, um novo processo institucional que procurou “ Fujimorizar” o judiciário, assim como assisto os poderes da Republica flagelados pelas denúncias e problemas internos, à desordem econômica que ainda gera anéis de pobreza em redor das grandes cidades, desigualdades regionais, aviltamento nos salários, a dança macabra das mortes geradas pela desnecessária e insana nos centros urbanos.

Mas tenho grande confiança porque sei que somos abençoados por viver num grande país, numa grande nação, com belas instituições, com um grande povo, com grandes homens públicos e com leis adequadas. Nação com riquezas e espaços territoriais, com um povo que traz todas as experiências e riquezas de todos os povos da terra.

Creio que este é o momento para estas reflexões. Como há uma grande conflituosidade social desaguando nas portas dos tribunais, refletindo-se na Justiça do Trabalho em mais de 2.500.000 ações por ano, tendo o TST mais de 180.000. recursos, recursos em excesso no STJ, na Justiça Federal, no Supremo Tribunal Federal, nas Varas de Tóxicos, nas Varas de Família.

A conflituosidade existente e a violência são, porventura, sinais de saúde social? Não, não são. São efeitos de uma doença em segmentos do corpo social, que precisa ser tratada. Embora a conflituosidade seja sinal da busca do exercício de cidadania, da necessidade da defesa dos direitos, da busca de espaço, da busca na (ilegível) das necessidades, ela é também sinal da falta de compromisso com a ordem jurídica, com a lei, com o uso inadequado de um sistema jurídico complexo e sofisticado, da falta de respeito com o outro, da falta de ética. É também fruto de equívocos no sistema educacional, na formação pessoal, nas políticas equivocadas.

Mas, não precisamos de culpados. Não precisamos culpar o sistema de recursos processuais pelo grande volume de ações, ou pelos atrasos nos processos, porque estaríamos culpando     os efeitos e não as causas. Culpar, por outro lado, os políticos, não é correto e nem lhes faz justiça e nem é o caminho porque
Eles já lutam com inúmeras dificuldades e não teceram, sozinhos, toda a pintura da paisagem. Na pintura atual cada um de nós colocou uma textura, uma cor.

Não há culpados. O que há são questões novas que a vida nos trouxe, são desafios mal resolvidos que temos que enfrentar e vencer como instituição, como nação e como povo, assim como as gerações antigas enfrentaram os seus desafios e nos legaram um belo país, um país uno e com unidade de língua, um belo povo, uma irmandade na qual vieram se congregar povos de todos os tipos da terra.

Desculpem-me por não ter silenciado. Por qual razão deveria silenciar neste encontro de amigos tão generosos, por qual razão deveria me contentar com um discurso literário, floreado, exalando perfumarias, com roupagens bonitas, com palavras de efeito, mas sem conteúdo; discurso que lembraria as tardes festivas, as reuniões sociais das belas, antigas e jovens senhoras, nos seus chás vespertinos, trocando segredos que seriam espalhados, trocando conversas amenas sobre os filhos, ou conversas picantes sobre as vidas que iam passando, espalhando notícias que não seriam divulgadas pela imprensa?

Por qual razão deveria silenciar se sei que I por educação e cortesia, serão obrigados a me suportar?

Quem dera que o tempo nos devolvesse os tempos antigos, a juventude,e pudéssemos olhar das janelas coloniais a marcha lenta das vidas que vão passando, os lampiões que eram acesos ao entardecer. Quem dera que não tivéssemos tantos desafios, tantas batalhas a serem travadas,tantos esforços a serem despendidos, tantas preocupações. Mas, o tempo de hoje é agitado, exigente. É o tempo dos foguetes, dos jatos, da busca pela sobrevivência e do trabalho frenético para fechar as edições dos jornais, tempo de dura competição entre empresas, entre profissionais autônomos, tempo das transformações tecnológicas, dos passeios nos shoppings, dos prazos dos recursos, da espera enervante e injusta nas audiências. Não é mais o tempo das conversas das famílias nas calçadas. É um tempo de desafios e de conflitos. Mas é ele tudo o que temos. É um tempo sem tempo, incapaz de atender a tantas exigências. É tempo curto para muitos processos.

Sei que entre nossos amigos e convidados muitos têm mais experiência e sabedoria, mas é neste tempo em que o protocolo exige um discurso que os convido às reflexões. É neste tempo que agradeço, comovido, a consideração de todos que vieram nos honrar com suas presenças. É neste tempo que convido às reflexões. É neste tempo que convido os magistrados a aprofundarem seus estudos e suas meditações a verem com sabedoria, compaixão e justiça aqueles que vos procuram, a manterem uma conduta ética irreprovável, a serem diligentes e ágeis, respeitosos e cuidadosos, imparciais, independentes. É neste tempo que agradeço a todos os servidores que fazem a Justiça do Trabalho e aos que já não estão entre. É neste tempo que agradeço pela paciência e convido a todos à esperança e a partilharem das lutas que Deus nos deu para travar.
Obrigado.
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Ele não pode ficar impassível diante das tentativas do desmonte da Justiça do Trabalho, do desmonte dos direitos sociais, ou assistir impassível um golpe de estado institucional, que é o golpe dos ditadores constitucionais, golpe que Hitler aplicou na Alemanha contra a constituição de Weimar, golpe que usa a legalidade como instrumento de opressão ou para editar medidas provisórias com força de lei, ferindo a autonomia do legislativo, arengando com o judiciário quando não lhe é servil, punidor de Ministros altivos e justos e que não

temem dizer a verdade, mas golpe sub-reptício que rasga a constituição e cria dificuldades entre os poderes e ainda leva as instituições a mudar de substância, golpe que leva a desnacionalização, a desconstitucionalização, ao afrouxamento dos laços de unidade nacional, à perda da confiança e da esperança, golpe que promoveu uma reeleição com compra de votos, no dizer do Professor Paulo Bonavides.

Este Tribunal não pode assistir impassível às novas formas de exploração e escravidão, assim como não veio para assistir, impassível, como se não lhe dissesse respeito, o desmonte de empresas que arrastam graves dificuldades para sobreviver, empresas que devem ser ricas em iniciativas e riquezas, para gerar empregos, oportunidades, desenvolvimento.

Quero aqui, retornando, lembrar os magistrados que faziam audiência registrando, manualmente, em livros, todas as ocorrências, todos os depoimentos. Lembrar os serviços manuais realizados nos cartórios, em fichas e livros, ou os magistrados que trabalhavam e ainda trabalham com máquinas de escrever, para observar as lutas que tiveram quer ser travadas para que não perdêssemos a da tecnologia. No âmbito deste TRT, nos períodos iniciais de sua instalação, foi tomada a decisão pela informatização, decisão que se revelou correta, prudente, necessária, apesar de todas as deficiências, apesar da inexistência de conhecimento e de servidores especializados.

Por esse motivo quero honrar os juízes que tiveram a coragem de tomar as primeiras decisões, (Belfor, Manoel Alfredo, Maria Ione, Amélia Bandeira eu próprio). Quero honrar os servidores que, com dificuldades, incompreendidos algumas vezes, apoiados noutras, e mesmo com a falta de recursos, trabalham ou trabalharam no setor de informática deste TRT e realizaram o que já é do conhecimento de todos. Não nos esquecemos dos que trabalharam na área de informática e já deixaram o nosso convívio (Ricardo.... Desejo! em nome do Tribunal! agradecer- lhes e afirmar que são lembrados e que é com tristeza que olhamos a separação.

E faço esta referência especial porque novos passos serão dados neste setor.
Retorna hoje, ao nosso convívio, uma querida amiga, a Juíza Amélia Branco Bandeira, a quem também quero honrar porque foi a sua administração que trabalhou pela alocação de recursos e elaboração de projetos, preparando o caminho e possibilitando não só da construção deste anexo onde agora estamos reunidos, mas a da própria reforma de todo o prédio.
Foi graças ao seu trabalho e ao seu esforço que hoje podemos recebê-los num ambiente de dignidade, elogiado por autoridades que nos visitam. Foi graças a sua visão que hoje os servidores podem trabalhar com conforto e dignidade.
Quis o destino, minha amiga, que neste momento esta justiça lhe seja feita. Receba este reconhecimento, este agradecimento.
Lembrem os que quiseram destruir a Justiça do Trabalho, e os que quiseram destruir o que eles chamam de tribunais menores, como se porventura fossem senhores do conhecimento e da verdade, e como os tribunais dos quais participam, não fossem tribunais doentes, porque inchados de processos, de processos inertes que repousam em armários e arquivos, tribunais de estrutura dinossáurica, fossem os únicos que merecessem sobreviver. Esquecem estes senhores que o inchaço nas juntas é sinal de
doença, da mesma forma que o inchaço de processos é um sinal de doença no órgão, na sociedade.
Foram momentaneamente silenciados. E o foram porque ela não nos pertence e porque não é um projeto individual de juízes, servidores, advogados. Foram silenciados porque ela é ainda necessária para os humildes, para as empresas, para a paz social, para o exercício da cidadania, para os exercícios da dignidade humana, para os que estão cansados da opressão econômica, para os estão cansados da opressão que desconhece a fraternidade, para os que estão nos limites das suas forças, cansados dos males sofridos e buscam remedir as desordens oriundas do desrespeito, do desemprego, da falta de salário, das interpretações jurídicas que esquecem o ser humano na sua dor, no seu sofrimento, ou esquecem os que geram empregos e se arriscam nas atividades econômicas.
Assim como as limitações do corpo é um molde, nos quais a alma e a mente têm.

Alcebíades Dantas
 

Data: 28 de junho de 2001

Revista do TRT 16ª Região - Volume 11 - Janeiro/2001 a Dezembro/2001

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