Discurso de Posse de Manuel Alfredo Martins e Rocha no cargo de Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região - Maranhão
Ao tomar posse na presidência do Tribunal do Trabalho desta 16° Região devo, em primeiro lugar, agradecer a meus ilustres pares o gesto fidalgo e nobre da minha escolha para dirigir os destinos deste ilustre Órgão, no biênio 95 a 97. Ser Presidente de um Tribunal, parece-me, constitui honraria profissional que todos os Juízes aspiramos, embora consciente estejamos do múnus de pesadas responsabilidades que o cargo nos acarreta e das dificuldades incontáveis que teremos de arrostar.
A nossa eleição, pela primeira vez através do sufrágio unânime dos meus pares, representou pra mim comovedora demonstração de apreço e confiança que, por certo, muito me comove e desvanece. Permitam-me, em rápidas pinceladas, traçar a minha saga, desde tempos longínquos anteriores ao meu ingresso na Justiça do Trabalho. Piauiense de origem, fiz humanidades no Colégio Estadual Zacarias de Goés, formando-me depois na Faculdade de Direito do Piauí, apelidada carinhosamente de Velha Salamanca. Mantive escritório de advocacia em Teresina, capital do Estado do Piauí, tendo entrado na magistratura em 1973, depois de graduado em concurso público, na cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, sede da 7° Região.
Na cidade de Fortaleza, onde passei a residir, tive oportunidade de trabalhar em todas as cinco juntas então ali existentes e, ainda, em todas as outras. Juntas do interior do Estado do Ceará, tais como as de Crato, Iguatu, Sobral e Quixadá, familiarizando-me com o seu povo hospitaleiro e acolhedor. Ah, que saudades do Ceará, já cognominado por um de seus escritores “terra do sol”.
Lembro-me constantemente do pôr- do- sol de Fortaleza em fim de dia estival, da chegada das suas jangadas de velas enfunadas nas praias de Iracema e Mucuripe, pontos de venda do peixe, como bando buliçoso de gaivotas. Lembro-me dos pontos bucólicos, como o tradicional e agora em fase de reformas o Estoril, a praia do futuro, do seu centro urbano já agitado, com rosto de cidade grande.
Ah! Eu me lembro bem das bonitas avenidas Tristão Gonçalves, Heráclito Garça e Bezerra de Menezes, da Avenida Pe. Antonio Tomaz, que homenageia o príncipe dos poetas cearenses, da Avenida Jovita Feitosa que era uma piauiense de origem e foi a nossa Joana D’Arc na guerra contra o Paraguai. Lembro da Parquelândia, bairro onde morei em Fortaleza. Lembro enfim dos magníficos escritores, dos poetas do Ceará.
Também tenho recordações nostálgicas de minha Teerã, o Piauí querido, porque minha terra é um céu, se existe outro céu sobre a terra; Terra para se amar com o grande amor que tenho, onde tive o berço e quero ter ainda sete palmos de gleba e dois braços de um lenho. A saudade é asa de dor do pensamento, como traduz o nosso maior poeta, em todos os tempos, Da Costa e Silva.
Mas eu lembro também do talento extraordinário de Celso Pinheiro- o poeta da dor- de Clodoaldo Freitas, de Pedro Brito, do Prof. B. Lemos, de Zito Batista e seu solilóquio, o poema desesperado “Monólogo de um Cego”: “Falaram-se do sol e eu o imagino como imenso farol a pender sobre as nossas cabeças. Ah, se o pudesse ver. Falaram-me do mar. O mar é um rebelado que vive a investir contra a praia como um tigre esfaimado. Ah se o pudesse ver., mas, o desejo maior e mais profundo é conhecer a mim mesmo, porque, a julgar pelo mal que oprime, eu devo ser um monstro e desconforme, na eterna expiação do mais nefando crime, atado ao poste da minha dor enorme.”
A personagem Iracema, do livro do mesmo nome, “a virgem dos lábios de mel”. Criação do imortal José de Alencar é, segundo a minha interpretação geográfica, piauiense, uma vez que o notável escritor diz, logo no início do seu apreciado livro: além, muito além daquela serra, nasceu Iracema...”. Ora, tendo em vista que o notável escritor era do Ceará, além daquela serra, que deve ser a de Ibiapaba, ficando justamente no Piauí, pois a Ibiapaba serve de limite entre o Piauí e o Ceará. Disse limite, mas não usei o termo divisão, pois acho que Ceará e Piauí não estão divididos, mas unidos pela Ibiapaba, que lhes serve não como marco divisório, mas como utilitário viaduto por onde transitam
livremente piauienses e cearenses. Ceará, Piauí e Maranhão, sobre serem nordeste do Brasil, estão interligados.
Estes últimos pelo rio Parnaíba, que também lhes serve, como ensina a geografia oficial, de marco divisório, mas de ponto de confluência, ou traço de união unindo os povos dos dois Estados. O Parnaíba, “velho monge, as barbas brancas alongando ao longe”, do verso cintilante do poeta amarantino, é traço de união ligando os dois grandes Estados, formando um trio indissolúvel com a mesma vocação histórica para as letras e para as artes, com o mesmo folclore e religiosidade semelhantes, pois a tradição consagra as mesmas festas populares.
Residindo em Fortaleza, além de haver trabalhado, como já dito, em todas as Juntas do Ceará, também o fiz em todas as Juntas do Piauí e em todas aquelas do Maranhão, até o advento da criação deste Tribunal da 16° Região, para onde fui convocado, por ser um dos Juízes de carreira, pertencente à Região desmembrada.
A cidade de São Luís, onde o Pe. Vieira pregou seus notáveis sermões é o berço de incontáveis e fulgurantes vultos da literatura nacional, entre as quais pontificam os caxienses Gonçalves Dias, Vespasiano Ramos e Cândido Mendes, jurista de grande nomeada, além de outros como Sousândrade, Coelho Neto, Graça Aranha, Humberto de Campos, os irmãos Aluízio e Arthur Azevedo e outros nomes legendários que fizeram desta terra, a nova Athenas Brasileira.
As letras maranhenses não vivem apenas nas glórias do seu passado empolgante. A figura mais importante da nossa literatura de hoje, com projeção, inclusive, internacional, é do Acadêmico Josué Montello, com mais de cem livros escritos, merecendo destaque, ainda, outros escritores notáveis, integrantes da Colméia da Rua da Paz, a Academia Maranhense de Letras, presidida sabiamente por Jomar Morais e onde brilham constantemente os portas e prosadores José Sarney, José Chagas e Ivan Sarney., além do beletrista Ubiratan Teixeira.
O Maranhão tem o privilégio de ter, como a primeira governadora da história do país, Roseana Sarney, a musa do impeachment e ter, ao mesmo tempo, como Prefeita da Capital, outra extraordinária mulher na pessoa da ilustríssima Conceição Andrade, em prova cabal de que, também aqui no Maranhão, a mulher se vem destacando no cenário político.
Desafios do Poder Judiciário Em escólio de Piero Calamandrei a seguinte sapiente lição: “Em certas cidades da Holanda, os lapidadores de pedras preciosas vivem em obscuras oficinas, ocupados todo dia a pesar, em balanças de precisão, pedras tão raras que bastaria uma só para os tirar da miséria. Á noite, quando as entregam, tais contas às forças do polimento, a quem ansiosamente as espera, preparam serenamente, sobre aquela mesma mesa onde pesaram tesouros alheios, a ceia frugal e partem, sem inveja, com as mãos que lapidaram os diamantes dos ricos, o pão de sua honesta pobreza”.
O Juiz também vive assim. O bom Juiz põe o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas, por mais humilde que sejam. É que se sabem que não há grandes nem pequenas causas, visto a injustiça não ser como aqueles venenos a respeito dos quais certa medicina afirma que, tomados em grandes doses matam, mas tomados em doses pequenas, curam, A injustiça envenena, mesmo em doses homeopáticas. Vive o país momento histórico de grandes transformações políticas, sociais e econômicas e os três poderes constituídos, como não podia deixar de acontecer, sofreram o impacto dessas transformações.
Pela primeira vez, na História do Brasil, registrou-se a cassação de um Presidente da República e assistimos, até com certa estupefação e ansiedade, o desenrolar de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a qual, se outro objetivo prático não alcançou, pelo menos pôs a calva as irregularidades gritantes que alguns parlamentares vinham praticando. Sobretudo na Comissão de Orçamento. Resta fazer uma revisão, a mais completa possível, no Poder Judiciário, com a
adoção imediata do controle externo, já que o controle interno se tem mostrado ineficaz para prevenir eventuais deslizes dos Juízes, que podem falhar no exercício de suas funções, já que são apenas seres humanos e não deuses.
Representando o Estado na função de julgar, incube o Juiz, interpretando o Direito, fazer a correta subsunção da norma jurídica ao fato examinado, o que lhe confere inestimável soma de poder. Na verdade, como ensina J.J Calmon de Passos, “se o direito é indissociável do poder e do conflito, também o é da Justiça”.
Nada suscita no homem maior rebeldia, nem o mobiliza mais para o confronto, do que a frustração resultante da insatisfação de necessidades que se lhe afiguram prementes; quanto mais essencial se mostra uma necessidade para o homem, tanto maior a tensão que disso decorre e maior, por igual, sua mobilização para satisfazê-la. Acredito nada melhor definir a injustiça que esse estado que insatisfação. Jamais alguém satisfeito dizer-se-á injustiçado ou mobilizar-se-á para merecer Justiça. Assim, injustiça e insatisfação se apresentam como irmãs gêmeas univitelinas e xipófagas. Não há cirurgia que as separe, inviabilizando-lhes vida autônoma. Uma será sempre o que a outra for basicamente.
A política em última instância, é a arte de administrar as insatisfações de modo a reduzir as tensões que por excessivas, inviabilizaram a ordem social institucionalizada. Isso ela consegue realizar centralizando as forças de resistência mais enérgicas, reformulando a apropriação do social de modo a satisfazer às necessidades em causa, quanto necessário pra eliminar o risco da resistência exacerbada.
Vivemos sob uma Constituição dita cidadã, que é, no entanto, híbrida e contraditória, pois projetada para implantação do Parlamentarismo e foi, na última hora, por força do resultado nas urnas, transformada em Constituição Presidencialista, impondo-se a revisão de vários de seus artigos. Com o advento do neo-liberalismo, hoje seguramente triunfante em quase todo o mundo, predominam os regimes de economia aberta, dando-se ênfase a tecnologia de ponta, despontando a informática como a principal propulsora dos avanços tecnológicos. Realmente, o Poder Judiciário, composto todo ele por técnicos em Direito, ao pode ficar a margem dessas transformações sociais, políticas e econômicas, sob pena de se fossilizar.
Se já temos exemplos de intervenção em outros poderes, no executivo e no legislativo, porque não admitir também uma forma de intervenção no Poder Judiciário? A livre convicção do Juiz é necessária ser conservada, até para segurança das decisões que devem continuar independentes, livres, perpendiculares, mas é necessário, que na mudança da atual Constituição reformas sejam introduzidas no Poder Judiciário, que é composto de Juízes e não de seres infalíveis.
A livre convicção do Juiz há de ser fundamentada em dados objetivos e não em valores meramente subjetivos, distantes, muitas vezes, da postura ontológica, característica determinística da profissão de Magistrado. Não necessita o juiz de sigilo bancário, até porque seus rendimentos, constituídos do próprio vencimento do cargo e de eventual remuneração recebida pelo exercício do magistério, devem ser transparentes, pois não há nada de esconder. Entendo que o Juiz não necessita do sigilo bancário e pode muito bem abrir
mão dele.
A Justiça do Trabalho Não devo falar da Justiça do Trabalho em geral, como um ramo especial do Poder Judiciário, a meu juízo, indispensável ao equilibrado funcionamento do Estado Brasileiro que é, por vocação herdada ainda da Constituição de 1973, intervencionista nas atividades sindicais e corporativistas. Não pretendo discutir o intervencionismo estatal, como política institucional, mas apenas noticiar, à guisa de radiografia, o que sucede neste Tribunal. Somos pequeninos, apenas seis Juízes Togados e dois Juízes Classistas sendo a primeira instância composta por doze Juízes Presidentes e catorze Juízes Substitutos.
No que concerne à figura do Juiz de primeiro grau, parece-me, temos um quadro adequado para nossas necessidades, restando implementar o quadro de funcionários de apoio, que estamos pleiteando ampliar, não tendo sido fácil alcançar este objetivo. Contando com o quadro inferior às nossas necessidades, talvez o menos quadro funcional de todos os Tribunais do País, temos tido a necessidade de recorrer a requisição de funcionários de outros órgãos para fazer funcionar os nossos diversos serviços. Essa prática, contudo, tem sido condenada pelo T.C.U., que a ela opõe ferrenho obstáculo. Não podemos admitir novos funcionários, mesmo já contando com candidatos selecionados em concurso público, dada a ausência de vagas no quadro permanente.
Restando-nos, enquanto não vem a ampliação desejada, o treinamento profissional, que temos promovido e iremos fazê-lo doravante, visando a capacitar os funcionários de que dispomos ao exercício polivalente de várias funções, conflito de poder, em qualquer eventualidade, substituir, sem perda de produtividade, qualquer peça da máquina administrativa. Instalamos computadores, na primeira instância, em todas as Juntas da Capital e estamos instalando também no interior do Estado. O Serviço de Cálculos e Liquidação, também já foi informatizado, está perfeitamente em dia e desenvolvendo o seu trabalho a contento.
Além da inauguração do anexo do Tribunal hoje feita, já fizemos a inauguração da sede da Junta de Chapadinha, devendo inaugurar a sede da Junta de Bacabal, já adquirida e em fase de adaptação. A Junta de Barra do Corda será inaugurada tão logo seja possível a aquisição de sua sede, o que já se encontra em fase de tramitação.
Após estas despretensiosas palavras, que mais visam a uma prestação de contas, acode-me a lembrança, até por dever de gratidão, dizer que tudo o certamente pouco me foi possível na vida até aqui, porque sempre tive a meu lado minha esposa, extraordinária mulher, que comigo convive há mais de trinta e cinco anos, que comigo gerou quatro maravilhosos filhos, todos eles, àcusta do nosso trabalho comum, educados, pois já portadores de grau superior. De nossos filhos descendem nossos nove netos, que me perdoem a falta de modéstia, são os mais lindos do mundo.
Eu quero agradecer aos amigos, aos colegas de outra Regiões, à Governadora do Estado do Maranhão, à Prefeitura de São Luís, aos desembargadores do Tribunal de Justiça do Maranhão, aos servidores deste Tribunal, a gentileza de suas presenças nesta solenidade que, por sem dúvida, a abrilhantaram, dizendo-lhes do imo do peito.
Muito Obrigado.
Manuel Alfredo Martins e Rocha
Data: 28 de junho de 1995
Revista do TRT 16ª Região - Volume 3 - Julho/1994 a Junho/1995